[EBOOK] Oração pelos mortos em Diálogo (& minhas considerações finais):

Jadson Targino
7 min readJun 11, 2021
(Capa do livro)

Creio que já não é mais novidade para nenhum dos que me acompanham e ao pr. Rodrigo Caeté de forma mais próxima nas redes sociais que lançamos, recentemente, um ebook juntos (que você pode adquirir gratuitamente aqui). Rodrigo tomou a iniciativa louvável de estar juntando os materiais que produzimos em um só lugar, a fim de que as pessoas pudessem ter acesso aos dois pontos de vista ao mesmo tempo sobre a árdua questão da possibilidade da oração pelos mortos.

Divulgo, nesse draft, o Ebook e acrescento alguns comentários sobre o último capítulo do livro (que Caeté escreveu em resposta a mim), o qual vocês podem ler e tirar as próprias conclusões.

  1. Rodrigo escreveu: “Conquanto Jadson diga que tenha como pano de fundo a Bíblia e a tradição da igreja em sua defesa, esse é apenas mais um tema onde seu mentor o tenha influenciado negativamente mais do que as fontes supostamente verdadeiras citadas” (p. 42). R: Aqui, Rodrigo faz questão de utilizar palavras como “mentor” várias vezes associado a um determinado tipo de linguajar, a fim de que o leitor crie na sua mente uma imagem acerca da minha pessoa como alguém sem pensamento crítico, um seguidor cego, que absorve toda sorte de conteúdo sem discernimento e ponderação. Isso obviamente contribuiria para remover a credibilidade da minha argumentação. São linhas que escreve de forma completamente deslocada do propósito original do livro. A análise da argumentação que forneço em prol da possibilidade da oração pelos falecidos não depende em absolutamente nada de reflexões sobre quem é ou não meu “mentor”.
  2. Caeté: “ocorre que o mentor do Jadson inicia seu texto recorrendo a fontes não seguras em essência, como homens não inspirados e textos apócrifos” (p. 44). R: Rodrigo deliberadamente usa uma linguagem ambígua para dar a entender ao leitor que Gyordano (e eu, por consequência) recorre aos apócrifos como fonte de doutrina e de forma descuidada. Isso fica claro não somente aqui, como mais a frente: “Embora digam que não criam doutrina a partir de tais livros apócrifos, também não negam a historicidade de tais passagens como forte evidência de prática aprovada por Deus. Ora, não é contraditório reconhecer apenas as fontes históricas desses livros apócrifos, mas usá-los naquilo que se pretende fundamentar como doutrina?” (p. 48–49). Rodrigo sabe que eu e meu pastor, o rev. Gyordano, somos anglicanos. Como deixei claro em meu texto, não citamos os apócrifos e deuterocanônicos para estabelecer doutrina, mas somente para elucidar o leitor acerca das práticas religiosas comuns entre os judeus na época em que o NT foi escrito. Qualquer exegeta protestante erudito, inclusive, J. Calvino, faz isso, e Rodrigo sabe.
  3. Rodrigo afirma: “Preciso destacar que esse assunto não é, como afirma Jadson, um assunto delicado ou mesmo controverso entre os evangélicos protestantes na atualidade” (p. 49). R: Pela forma como ele desenvolve o que disse aqui, é como se ele desse a entender que estou dizendo que existem debates entre os evangélicos (como houvesse uma ala entre eles que ainda argumenta em prol da prática) e não é isso que estou querendo dizer. Quando digo que o assunto entre eles é delicado, o que quero dizer é que é um assunto polêmico. É um tabu, uma prática mal vista. Ora, ninguém nega que entre os evangélicos (ou também chamados ‘evangelicais’, não confundir evangelicalismo com protestantismo histórico, por favor!) essa prática é realmente muito mal vista, embora entre muitas linhas de protestantes históricos (como é o caso dos luteranos e anglicanos) não o seja. Simples.
  4. “Esse posicionamento mais favorável a súplica pelos mortos é estritamente católico romano” (p. 49–50). R: Não, senhor Rodrigo, não é não. Demonstrei com tantas citações que os meus textos acabaram por ficar entediantes por causa do número referências bibliográficas (e eu ainda tinha vontade de acrescentar mais!). Basicamente, demonstrei a existência de vários exemplos de teólogos de variadas épocas que não eram católicos romanos e defenderam a prática. O posicionamento favorável a oração pelos mortos não é ESTRITAMENTE católico romano, tendo em vista que praticamente toda a cristandade (da qual os católicos romanos são apenas um ramo) antes da reforma e alguns ramos pós reforma permanecem mantendo essa tradição. Aliás, é uma tradição anterior a existência da Igreja já no judaísmo, como também demonstrado. Diante disso, o real motivo pelo qual Rodrigo insiste em associar a oração pelos mortos ao Catolicismo Romano é porque ele deseja que o leitor mais anti-católico ache que essa prática é algo que conduz as pessoas “a Roma” e assim surja mais um motivo para tirar o crédito da minha argumentação (sem que o conteúdo dela seja realmente refutado, detalhe!). É uma falácia genética. As falácias genéticas apelam para a origem de um argumento a fim de desqualificá-lo. Ainda que a oração pelos mortos tivesse origem no Catolicismo Romano (o que é mentira, obviamente) ou fosse uma posição estritamente católica (o que não é), isso não desqualificaria em nada o argumento. O leitor atento não vai se deixar enredar por essa estratégia.
  5. Rodrigo diz: “De forma parafraseada, assim argumenta Jadson: “pelo fato de a oração pelos mortos ser amplamente difundida e defendida por quase toda a igreja até o século 16, há uma grande chance de a igreja pós-protestantismo estar completamente errada nesse assunto da oração pelos mortos”” (p. 56). R: Não concordo com essa paráfrase. Ela é uma verdadeira eisegese do que eu realmente disse, afinal, como demonstrei, existiram duas grandes tradições protestantes e vários grandes reformadores que não negaram a serventia da oração pelos mortos. Então, jamais concordaria que a Igreja pós-protestantismo está “completamente errada” no assunto da oração pelos mortos, afinal, uma quantidade significativa de protestantes não erra. Agora, é fato inegável que uma parte da Igreja pós-reforma (a exemplo, o próprio Rodrigo) condena inapropriadamente uma tradição historicamente cristã e ao meu ver, se equivoca por isso.
  6. Por fim, lamento a atitude de Rodrigo (p. 66) em tentar me associar a heresia universalista embora que ele mesmo admita que “não creio que ele concorde” com essa posição. Caeté tenta dizer que eu creio nessa heresia com base de que eu “nunca neguei essa doutrina diretamente para ele”. Absurdo! Não posso provar com prints, mas lembro vividamente que já neguei sim o universalismo (que Rodrigo sabe que eu considero herético) em conversas diretas com ele por ligação de áudio. Mas, não posso culpá-lo por não se recordar, já fazem praticamente anos que não ligamos para tratar de temas teológicos, como já fizemos, por ligações. De qualquer modo, trata-se de mais uma estratégia retórica para me “descredibilizar” perante o leitor. Ele intenta lançar essa pecha contra mim, e para que eu não possa acusá-lo de tentar fazer isso de forma ilícita, tenta apaziguar dizendo que não crê que eu concorde com a heresia. Isso depois de já ter criado um falso alerta na mente do leitor… Complicado. E é necessário pontuar uma coisa: quando a Bíblia diz que Jesus se entregou como “preço de redenção por todos” (1 Tm 2:6), esse verso não se refere a aplicação, mas sim a provisão da redenção, que é feita por absolutamente TODOS os homens, mas só é aplicada eficazmente ao que crê, só perece o que não crê, por rejeitar a provisão que foi feita em Cristo para todos. Eu sei que no Calvinismo não se crê que Jesus morreu por todos, mas praticamente toda a Cristandade defende que Jesus morreu por todos desde o início do cristianismo, e sempre se acreditou que o motivo pelo qual alguém perece não é porque nenhuma provisão foi feita por aquela pessoa, mas porque, havendo provisão, a pessoa livremente decidiu rejeitá-la. No Calvinismo também se crê (embora não haja qualquer base bíblica para tal) que Jesus necessariamente aplica a redenção para todos por quem Ele provisionou a redenção. Essa pressuposição é altamente questionável. Nada na revelação nos condiciona a crer que Jesus deve aplicar a redenção para todos por quem ela foi adquirida.
  7. Por fim, ao tratar do meu silogismo lógico, tenta desviar o assunto para apontar uma suposta inconsistência em meus textos: eu pareço defender que Paulo “ordena na carta a Timóteo que se ore por todos, inclusive os mortos” e ao mesmo tempo defendo que é uma prática “que está na liberdade cristã”. Além de não refutar meu silogismo (ele não se propõe a refutá-lo ou esquece disso), Rodrigo esquece de algo: existem gradações de deveres na Bíblia. Nem todas as ordens da Bíblia tem o mesmo peso e devem ser cumpridas exaustivamente. Por exemplo: quando os ministros do evangelho recebem a tarefa de discipular todas as nações. O ministro cumpre essa ordem evangelizando todos quanto ele puder evangelizar, ainda que ele não consiga evangelizar literalmente cada nação ou cada individuo de cada nação. De semelhante modo, o cristão cumpre a missão de orar por cada homem orando por todos aqueles que Deus vai colocando em seu coração para que ele ore, ainda que ele acabe por não orar literalmente por todos. Esse é um dever que se cumpre paulatinamente. Por fim, ele também não responde meu argumento baseado na liberdade cristã e não apresenta UM versículo sequer que proíba a prática da oração pelos mortos, sendo que eu demonstrei que o cristão NÃO pode criar proibições (isso seria acrescentar aos mandamentos de Deus). Ora, se nem Deus proíbe, nem Rodrigo nem outros ministros do evangelho tem autoridade para proibir. Sendo assim, meus dois argumentos fulcrais permanecem intactos.

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Jadson Targino

Seminarista pelo CETAD/PB (seminário da Assembleia de Deus na Paraíba), tradutor e graduando em Ciências da Religião pela UFPB.